Tuesday, December 25, 2007

Simplesmente Lynch!


Neste meu post vou abordar pela primeira vez, neste blogue, um tema pelo qual tenho especial interesse, o Cinema.

Não quero dar uma de pseudo-intelectualóide (hiii, alguém chama a camarada Edite Estrela?), mas já há algum tempo que as produções mega comercialonas (duas…) me irritam um bocado… Tou farto das cedências artísticas da maior parte dos realizadores e argumentistas às grandes produtoras, que mais não fazem senão sustentar com grande sucesso, através de um controlo “absolutista” dos produtos que subsidiam e promovem, uma industria que movimenta milhões. Será legítimo? Talvez… Mas eu é que não tenho que “levar” com essas tretas. Pouco me interessa se o filme do realizador mais badalado do momento consegue as maiores vedetas, e tem o efeito especial “último grito”, quando dá perfeitamente para perceber que foi tudo muito bem cozinhado para agradar às "massas"! Se quiser estupidificar, não preciso que me mostrem o caminho… Felizmente ainda tenho a inteligência mínima que me permite emburrecer (e vão três… eh eh!) sozinho. Quando se chega ao cúmulo do ridículo de pentear e maquilhar personagens da Roma antiga como se tivessem acabado de entrar numa festa temática da Revista Caras; quando se privilegiam cenas de violência brutais, e gratuitas, em prol de, por exemplo, imagens de sexo, e ainda conseguem que os ministérios da cultura (ou equivalente) de cada país os classifiquem para todos os públicos; quando só se contratam actores e actrizes, a maior parte das vezes medíocres, obedecendo à lógica do fascismo estético instituído… apetece-me passar um dia inteiro a ver televendas!

Mas ainda existem boas excepções.

O cinema independente e de autor, e até algumas produtoras europeias, lá vão salvando a “honra do convento”. E eu pude confirmar isso mesmo depois de ver uma obra cinematográfica que não pode deixar ninguém indiferente! O último filme do David Lynch, “Inland Empire”. Já sou fã dos filmes deste senhor há muito tempo, e por isso, sou particularmente tendencioso na minha análise…, e, portanto, vou só seguir a linha editorial que delineei quando criei este espaço!

Fui à FNAC e larguei € 22,99 pelo DVD. Como é do Lynch, permiti-me a este excesso… Ainda para mais é a “edição especial para coleccionador”, que é a única disponível neste momento no mercado português – e fiquei um tanto quanto revoltado com isso. Mais uma vez um aproveitamentozinho (quatro!)… O consumidor deveria ter a possibilidade de poder adquirir a versão básica, e poupar uns trocos! Assim devem acabar com os downloads ilegais! Ah devem, devem! Adiante…
Já com a obra em meu poder, transportei-a com todo o cuidado até casa, e… Não o pude visionar de imediato! Não estavam reunidas as condições. Ver um filme do Lynch deve ser um momento solene, e havia demasiado barulho, demasiada agitação no meu prédio. Fui dormir. Acordei no dia seguinte três horas antes do normal para uma jornada de trabalho! Eram pouco mais de cinco da matina, e nessa altura sim, o ambiente estava propício. Coloquei o disco com todo o cuidado no leitor, e lá me acomodei no meio do edredão e de um cobertor. E aí começou a experiência… E que experiência visual, sonora, mas sobretudo cerebral! De cena para cena estava cada vez mais perdido num enredo cheio de "portas de entrada", mas nenhuma de saída… e fui captando os vários ambientes do filme, uns de luz negra e assustadora, outros glamorosamente perversos, e outros ainda, estranhamente divertidos, mas todos ligados por qualquer coisa inerente a todos eles, e que não se percebe o que é... Mas não há mal nenhum nisso! Depressa conclui que não era suposto perceber, só sentir. Sentir e gozar todas as cenas, todos os pormenores interpretativos e cénicos, todos os sons inesperados e violentos, todos os silêncios pesadamente densos e desconfortáveis. É um filme que abdica, em larga medida, de contar uma história nos moldes habituais, e que se dedica sobretudo a obrigar o nosso cérebro a ter dúvidas, e caminhar para zonas desconhecidas… Excepcional!

No comments: